Bem bizarro lembrar disso agora.
O importante é lembrar que o contato mais próximo foi o Ivaldo deixar de beber a sua cerveja na mesa pra falar:
"HAHAHAHAHHAHA, olha teu filho Jorge! Segura o garoto".
Tá, talvez não tenha sido desse jeito nesses detalhes, mas eu gosto de pensar que foi assim.
Outra característica do Ivaldo tirando o seu senso de humor era o seu excelente senso de direção enquanto bêbado. Uma vez, em 1977, bebendo junto com o meu pai na época de carnaval em uma cidade do interior de Pará chamado Bragança, Ivaldo, já bêbado, recebe uma ligação de seus colegas de trabalho dizendo que estavam bebendo em uma cidade que ficava a uma hora de distância. "Tô indo" disse ele.
Então lá foi o senhor Ivaldo e meu pai, saindo de Bragança para a cidade que tinha o carnaval mais pesado do interior do estado, chamada Vigia. Detalhe: Como todo típico interior, a iluminação é praticamente inexistente no caminho de uma cidade para outra, principalmente quando a rua não é uma rodovia que é utilizada pelos caminhões ou qualquer outro meio comercial.
Eram mais de dez horas da noite. Meu pai então lembra que o carro que eles foram era um Chevrolet Chevette que estava passando pelos seus últimos momentos de vida para ser dirigido. Não é a toa que o carro nos primeiros minutos de viagem apagou uma luz do farol. O que já estava escuro ficou impossível de ser visto
Você acha que isso abalou o senhor Ivaldo? Pode ter certeza que não.
Mas é claro que ele não esperava que todas as luzes do carro, inclusive as luzes do painel, apagassem também.
Agora imagine a situação, caro leitor. Você, um paraense totalmente bêbado viajando para outra cidade com o único objetivo de beber mais, em uma estrada escura sendo iluminada pela luz da lua, com o carro totalmente apagado rodando com pneus carecas e sons que só poderiam significar que o carro tinha problemas. E agora, você acha que isso preocupou o senhor Ivaldo?
É claro que não, nada preocupava o senhor Ivaldo! De alguma forma, de alguma forma ele dirigiu a viagem inteira NO RUMO CERTO. Como? Meu pai diz que isso foi a mão divina, que inclusive fez o favor de acender de volta uma luz do farol (e nada mais). Mas quem precisa de faróis quando consegue dirigir sem luz nenhuma, não é mesmo?
Chegando no município de Vigia, utilizando seu senso de orientação em uma cidade cheia de pessoas em época de carnaval, ele consegue achar o grupo que eu gosto de pensar como "grupo de biriteiros." Depois de ter passado por todo o aperto de dirigir perigosamente por uma hora, não consigo imaginar falta de motivos para o meu pai não ter bebido mais um pouco naquela época.
E eu imagino eles cantando o hino:
Tu és, Vigia, guardiã do norte,
Um município – de outros, matriz
E novo lar para tantos que chegam.
Possuis amor e progresso. És feliz. AE!
Alias, falta de motivos não poderia mesmo existir quando apareceu um caboclo de Belém no meio do carnaval pedindo bebidas mesmo já estando bem alterado. Recebendo um não como resposta, o caboclo se invoca e tira de algum lugar um terçado, deixando todo o grupo assustado.
Para você que não é do Norte e não tem a menor ideia do que é um terçado, é essa ferramenta:
...
E acredite, é BEM grande.
Então após ameaças e frustrações por não poder beber, aparece Ivaldo com um instrumento que pela descrição do meu pai imagino que seja um atabaque, jogando no caboclo. Enquanto os biriteiros saem correndo, Senhor Ivaldo para e fala:
- Porra, acho que minhas chaves foram junto!
Eles voltam no lugar e começam a procurar por alguns minutos até achar o par de chaves perto de uma barraquinha vazia. Pensando no esforço que teve que fazer, somente agora Ivaldo fica furioso com a situação que passou com o caboclo e decide ir na delegacia às três da manhã para registrar uma queixa! Mas caro leitor, Belém é uma cidade cheia de curiosidades e mistérios. É claro que ao conseguir novamente provar que o seu estado alcoólico não podia enganar sua direção e o fazer chegar na delegacia com todo o grupo, ele somente encontrou com o local com as portas fechadas. Ivaldo, pessoa bêbada que deveria ter sido presa por dirigir e mais ainda, por chamar aquele veículo de meio de transporte, começou a usar as suas habilidades de boxeador para chutar e dar socos na porta da delegacia de polícia.
E assim fica registrado.