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Constance sentia-se à beira do fim.
Certa tarde de delicioso sol foi à cabana;e diante dum dos ninhos viu um pinto para fora, a provocar na mãe cacarejos aflitos. Constance abaixou-se para observá-lo e caiu em êxtase. A vida, a vida! A vida nova, pura, brilhante, sem mêdo. O pintinho não mostrava mêdo; passeou por ali e retornando à gaiola desapareceu sob as asas da galinha alvoroçada. E por entre a plumagem materna a sua cabecinha ficou a espiar o cosmo.
Constance sentia-se encantada, mas nunca, como naquele momento, foi maior o seu desespêro de mulher sem dono --- desespêro já intolerável.
Passou a ter m só desejo na alma: Ir à clareira dos faisões. O resto não passava de senho penoso. Mas muitas vêzes tinha de ficar retida em Wragby pelos seus deveres ede dona de casa.
Um dia, sem se preocupar com a vinda de hóspedes, escapou depois do chá. Era já bem tarde. Atravessou o parque a correr, como se temesse algum chamado ! O sol desaparecia quando penetrou na floresta.
Alcançou a clareira a suar e quase inconsciente. Lá estava o guarda em mangas de camisa, fechando as gaiolas dos faisõezinhos para o sono da noite. Três pintos ainda estavam de fora, desatentos aos apelos da galinha alarmada.
- Nao pude evitar vir ver êstes amôres - disse ela arquejante, com um tímido olhar para Mellors e quase inconsciente de sua presença - Há alguns novos?
- Ao todo, trinta e seis - respondeu Mellors. - Não está mau.
Constance acocorou-se diante da última gaiola. Os três pintos retardatários vieram e sumiram-se sob a galinha. Por m momento suas cabecitas reapareceram a espiar por entre as pernas; por fim recolheram-se.
- Eu queria tanto pegá-los - disse Constance; e enfiou a mão, timidamente, através das grades. Mas recolheu-a logo, tal foi bicada da mãe ciumenta.
- Como é brava! Esta galinha odeia-me, a mim, que nunca lhe fiz nada.
O guarda, ali perto, deu de rir; depois acocorou-se-lhe ao lado e correu a mão pelo dorso da galinha, que o bicou mas com menos ferocidade; e lentamente deu jeito de furtar um dos pintinhos.
- Aqui o tem - disse, apresentando-o a Constance.
Ela tomou nas mãos, com carinho, aquêle átomo de vida palpitante; mas, mesmo assim, o pinto lançou um olhar agudo em redor, e pôs-se a piar.
- Como é adorável - disse ela -, e impertinente!
O guarda, de cócoras, ao seu lado, tinha os olhos na cena; súbito, viu uma lágrima cair sôbre o punho da moça. Levantou-se e foi para a outra gaiola. É que sentira reacender-se em seus rins a velha chama, a chama que julgara para sempre extinta. E lutou contra ela, de costas voltadas para Constance. Mas a chama não esmoreceu.
Mellors voltou o olhar para Constance. Via-a ainda de joelhos, estendendo as duas mãos espalmadas para que o pintinho voltasse à sua mãe. Havia nela qualquer coisa de tão mudo, de tão desolado, que suas entranhas de homem se comoveram. Sem saber o que fazia, aproximou-se de súbito, ajoelhou-se de nôvo ao seu lado, tomou o pintinho e o recolocou sob a galinha. No íntimo dos seus rins o fogo rebentou incoercível.
Olhou para Constance, qe desviara o rosto e chorava cegamente na agonia da sua geração perdida. E o coração de macho fundiu-se de repente. Mellors apoiou a mão no joelho de Constance.
Ela escondeu o rosto, o coração partido, indiferente a tudo.
A mão do guarda pousou-lhe sobre o ombro e de leve deslizou-lhe pelas costas até a cintura, num movimento caricioso e cego. Acariciou-a docemente, numa carícia instintiva e cega.
Constance havia apanhado o lenço e enxugava o rosto.
- Venha para a cabana - disse Mellors tranqüilamente.
E, segurando-a pelo braço, ergueu-a do chão e levou-a sem pressa para a cabana, só a largando quando a viu dentro dela. Afastou a mesa e a cadeira; tirou da caixa um cobertor militar escuro e o estendeu por terra. De pé, imível, Constance o olhava nos olhos.
Mellors tinha o rosto pálido, e sem expressão, como o dum homem que se submetesse ao destino.
- Deite-se - disse êle; e fechou a porta, deixando o recinto em completa escuridão.
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